despadronizada

Padrão de beleza: o que é ser bonita no Brasil - Dra. Luciana Pepino

Eu não estou dentro do padrão de beleza atual. Esse é um fato evidente. Nem um centímetro do meu corpo se encaixa em nada do padrão que temos estabelecido no Brasil e no mundo. E no Brasil é pior por dois motivos: o primeiro é que mulheres muito magras são muito mais valorizadas no Brasil que em alguns outros países, e o segundo é que o padrão de beleza brasileiro exclui a grande maioria da população, já que demarca como bonito apenas o corpo magro, branco, cabelo liso/alisado, e olhos sem miopia. Então, como dizia acima, não me encaixo em nada disso. Não sou magra, não sou branca, meu cabelo é misto – cacheado-crespo – e uso óculos. Além disso, não tenho traços finos. Meu nariz e lábios são grandes.

Além disso, é preciso falar do padrão comportamental. Também não me encaixo. Além de ter nascido para ser mole, eu nasci para estar fora de todos os padrões possíveis e imagináveis. Eu não sou delicada, não falo baixo, tenho gargalhada de bruxa, como dizia um ex-aluno, danço, me expresso, me imponho, saio sozinha, falo de sexo – e faço também; critico os homens, me exponho nas redes sociais, entre outras coisas que não se encaixam no padrão-bibelô tão desejado pelos homens e por todo o resto da sociedade.

Fora que sempre fui independente. Se tem uma coisa que irrita homem é mulher que não precisa dele. Para nada. Vamos resumir rapidamente: eu me dou prazer, eu saio sozinha – para lugares onde geralmente se vai com alguém; eu pinto e furo paredes, eu carrego e troco meu botijão de gás, eu uso furadeira, eu faço massa de cimento, eu vou ao supermercado e trago minhas compras sozinha. Eu sei muito bem ser eu. E eu não fico babando homem, mesmo que ele seja meu namorado. Eu tive um namorado que se irritava porque eu não dava bom dia a ele todas as manhãs no whatsapp. Amado? Tenho mais o que fazer. Não dou bom dia a ninguém. Mas mando memes. E meto qualquer assunto lá, em qualquer hora do dia. É o que importa. E vejo status/stories. E vejo todo o resto. E observo. Eu observo tudo. E sou atenta para lembrar. E isso faz diferença. Alguém que lembre do que a gente posta, escreve, fala, é… Mas isso nunca foi suficiente. Querem um bibelô, caladinho, dentro do padrão e que dê bom dia cheios de emojis de coração. Vão se lascar!

Sobre isso, devo dizer que já fui preterida e até trocada por meninas padrão. Se não fossem totalmente padrão, pelo menos estavam dentro de alguns dos aspectos que considerei acima. Se uma mulher se encaixa em algum deles, para mim, que não me encaixo em nenhum, ela já é privilegiada. Uma mulher, mesmo que não seja branca, mas é magra, lisa/alisada e não usa óculos, é um padrão completo em relação a mim. E são essas que os homens preferem. Quando saio com minhas amigas – e eu já disse isso aqui várias vezes – elas são paqueradas e até mesmo ficam com alguém. Eu só fico lá olhando. Isso não quer dizer que eu não tenha meu próprio sucesso e não tenha uma fila de gente atrás de mim. Caraio, sou maravilhosa! Isso quer dizer que a porra do padrão de beleza está tão entranhado no inconsciente coletivo, que inicialmente, na primeira impressão, e em comparação com as padrãozinho, eu sou sim preterida e deixada de lado.

Para os homens, estar com uma mulher branca, ou ainda que não seja branca, mas seja pelo menos magra, gera a sensação de bem estar, de estar sendo bem visto pela sociedade. Uma mulher que não tenha gordurinhas sobrando – por mais que ele tenha – e que fique bem nas fotos de biquíni, soa muito melhor. E preferência ela tem que ser comportada e ter cabelo comprido, porque homem gosta de mulher feminina e o que é mais feminino que cabelão? Então, para a sociedade esse homem estará bem. E aqui eu nem vou levar em consideração por exemplo, os homens pretos que só namoram loiras, primeiro que nem tenho lugar de fala para tanto, então prefiro me calar nesse ponto. Por enquanto.

Existe uma associação do belo – ou do que é estabelecido como belo, nesse caso o padrão – com o bom, com o que é certo e importante. Isso, de acordo com Umberto Eco no livro História da Beleza. Assim, é possível identificar e associar de certa maneira, a existência do padrão e a preferência das pessoas pelo padrão. A mídia e a propaganda têm muita influência nisso, claro, mas a gente também, porque a gente continua reproduzindo isso. E gostando do que estamos criando. Monstros. É o que estamos alimentando diariamente. A gente gosta do que é bonito. Mas o que é bonito mesmo? Beleza para mim é relativa, sempre foi. Eu nunca fiquei com um homem padrãozinho. Daqueles bem clichês: fortes, altos, brancos, de barba. Malhados mesmo, foram só dois. Eu gosto dos fora do padrão, assim como eu. Pena que nem sempre eles gostem de mim.

Assim, devo finalizar falando mais uma vez das vezes em que fui trocada/preterida por uma mulher padrão. Em quase todas as vezes foi por uma mulher branca e magra. E as redes sociais trazem sem dó nem piedade a constatação desse fato e esfregam na minha cara. Não chegaram a ser coisas sérias, mas chegaram perto e as últimas notícias que soube desses caras, estavam casados com essas mulheres. Brancas e magras/saradas. O mundo é delas, não tem pra ninguém. Infelizmente.

Mas eu sou muito mais eu!

Rafaela Valverde

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